Música erudita no Brasil

Durante a história colonial do Brasil, há vários registros de práticas musicais, como a obrigatoriedade do ensino de música nas casas da Companhia de Jesus e a popularidade do teatro musical, cuja origem se encontra nas representações feitas pelos jesuítas. No século XVIII, foram fundadas casas de ópera no Rio de Janeiro, em São Paulo, Salvador, Recife e outras cidades. O repertório desses teatros constituía-se principalmente das óperas do brasileiro Antônio José da Silva, o Judeu (1705-1739), e de obras da escola napolitana.

A atividade musical em Pernambuco, no século XVIII, revelou-se com a descoberta de um compositor, Luís Álvares Pinto (1719-1789). Também deve se considerar, na mesma época, a prática da música erudita na Bahia. O musicólogo Régis Duprat descobriu um “Recitativo e ária”, de autor anônimo, escrito em Salvador, que é a única obra setecentista com texto em vernáculo encontrada até hoje.

Em Minas Gerais, no período colonial, aconteceu o conhecido “barroco mineiro”, movimento extremamente ligado à Igreja Católica, nos tempos da Inconfidência Mineira. Curiosamente, os compositores que se destacam são todos eles mestiços (entre negros e brancos), e as características musicais nada têm a dever para a estética europeia. Importante salientar a presença de pelo menos três compositores: José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita (1746-1805); Manoel Dias de Oliveira (1738-1813); e Francisco Gomes da Rocha (1746-1808). A produção musical desses autores nada tem de barroca, embora seja assim chamada. Musicalmente, identifica-se com o estilo clássico ou pré-clássico. São obras impressionantes por sua inspiração, pela impecável escrita melódica e coral, e pelo tratamento do texto litúrgico, qualidades difíceis de explicar naqueles músicos mestiços, que nunca tiveram contato direto com os meios cultos.

Em São Paulo, podemos citar a presença do compositor André da Silva Gomes (1752-1844), nascido em Lisboa, que chegou em 1774 ao Brasil, sendo mestre-de-capela na Catedral de São Paulo entre 1774 e 1823.

Com a vinda da Família Real anosso país, por conta da invasão napoleônica em Portugal, foi criada a Capela Real por D. João VI, cujo mestre foi o padre (também mulato, como os mineiros) José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), um dos expoentes desse período, que compôs exclusivamente para a Capela entre 1808 e 1811. Outro compositor célebre da época foi o luso-brasileiro Marcos Portugal (1762-1830), mestre de música de Suas Altezas Reais, autor de várias peças religiosas e profanas. Outra presença ilustre na Corte portuguesa foi o austríaco Sigismund Neukomm (1778-1858), um dos alunos preferidos de Haydn, que veio ao Brasil a convite do Duque de Luxemburgo em 1816, embaixador do rei Luís XVIII, da França. Com a ajuda do padre José Maurício, ele fez no Rio de Janeiro a primeira audição no Brasil do “Réquiem” de Mozart. Neukomm foi um dos primeiros a compor música erudita sobre temas populares brasileiros (a fantasia “L’amoureux”, baseada numa modinha de Joaquim Manoel da Câmara). Ele foi professor de outro compositor bastante conhecido no período, Francisco Manoel da Silva (1795-1865), autor do “Hino Nacional Brasileiro”. O rei Dom Pedro I (1798-1836), que compôs o “Hino da Independência do Brasil”, era um entusiasta da música, e teve aulas com os três compositores citados.

Já na segunda metade do século XIX, surgiram vários compositores de música erudita, com destaque para o campineiro Carlos Gomes (1836-1896), que fez sucesso internacional com suas óperas, em especial “Il Guarany”, cuja Abertura é uma peça muito conhecida por todos os brasileiros. A força da música negra, trazida pelos escravos, misturada ao lirismo português, foi fazendo nascer nos compositores brasileiros o espírito nacionalista, fazendo uma mescla do estilo romântico europeu com a inserção de alguma brasilidade, especialmente rítmica. Os nomes de Brasílio Itiberê (1846-1913), Alexandre Levy (1864-1892) e, posteriormente, Alberto Nepomuceno (1864-1920) e Francisco Braga (1868-1945) são lembrados como precursores desse movimento que chamamos de nacionalista. Outros compositores mantiveram sua linguagem mais vinculada à estética europeia, como Leopoldo Miguez (1852-1902), Henrique Oswald (1852-1931) e Glauco Velásquez (1884-1914).

Na virada do século, a música dita popular estava em pleno estabelecimento, com destaque para os compositores Chiquinha Gonzaga (1847-1935) e Ernesto Nazareth (1863-1934), e com a explosão do choro, gênero musical tipicamente brasileiro. Ainda assim, muito da produção musical de Nazareth, por exemplo, o aproximava de Chopin, especialmente suas valsas para piano solo.

Já nas primeiras décadas do século XX, a escola nacionalista tem como principal nome um músico de projeção universal: Villa-Lobos (1887-1959), o primeiro grande artista brasileiro cuja obra assumiu características verdadeiramente nacionais. Sua temática se apropriou fortemente das raízes negras de nossa música; com seu contato diário com os músicos populares do Rio de Janeiro, especialmente Pixinguinha, ele fez obras gigantescas a partir de temas simples por ele recolhidos. Suas “Bachianas Brasileiras” refletem com talento a mistura musical que propõe, com tratamento polifônico a temas claramente brasileiros. Vinculado ao regime de Getulio Vargas, é autor do “Guia Prático”, que levou a todas as escolas brasileiras temas para canto orfeônico baseados em melodias folclóricas, negras e indígenas.

Ainda no século passado, na escola nacionalista destacam-se nomes como Camargo Guarnieri (1907-1993), Francisco Mignone (1897-1986), Lorenzo Fernández (1897-1948) e Radamés Gnattali (1906-1988) – este último, também destaque na música popular como exímio arranjador das orquestras de rádio que surgiram a partir dos anos 1930 até 1960. O grande teórico desse movimento foi Mario de Andrade, poeta, escritor, crítico musical, pesquisador e também professor de piano do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo.

Paralelamente, com a vinda ao Brasil do compositor e professor Alemão Hans Joachim Koellrreutter (1915-2005), organizou-se, em 1939, o Grupo Musica Viva, que se caracterizava como opositor à linguagem nacionalista, e pregava a modernização da música erudita, baseando-se no serialismo de Arnold Schoenberg. Seus discípulos mais conhecidos foram Claudio Santoro (1919-1989), Guerra-Peixe (1914-1993) e Eunice Catunda (1915-1990). Depois, veio Edino Krieger (1928) e Esther Scliar (1926-1978). Todos eles também fizeram música baseada em temas brasileiros, mas com uma técnica que os aproximava mais do atonalismo.

Outros compositores representativos do século XX foram Marlos Nobre (1939), Almeida Prado (1943-2010), e, na música eletroacústica, Jorge Antunes (1942). Os professores suíços Ernst Widmer (1927-1990) e Walter Smetak (1913-1984), na Bahia, também formaram vários compositores mais voltados ao aleatorismo, como Lindembergue Cardoso (1939-1989). Na Paraíba, o trabalho de José Alberto Kaplan (1935-2009), argentino naturalizado brasileiro, também fez surgir uma geração de compositores como Eli-Eri Moura (1963) e, mais recentemente, Marcilio Onofre (1982).

O trabalho de Willy Correa de Oliveira (1938) e de Gilberto Mendes (1922-2016) na Universidade de São Paulo também fez nascer vários compositores, como Florivaldo Menezes Filho (1962), Celso Mojola (1960) e Eduardo Guimarães Álvares (1959-2013).

Destacam-se ainda na cena erudita brasileira Ernst Mahle (1929), Aylton Escobar (1943) e Edmundo Villani Cortes (1930).

Wagner Amorosino