A Música Popular Brasileira, canções e histórias
Prepare o seu coração para as coisas que eu vou contar, porque o Brasil não é só bonito por natureza, ele é um palco de belezas, em suas diversidades culturais, com uma história de emocionar.
Se você sair à toa na rua e ouvir uma banda tocar, vai ver que cada recanto tem seu canto, cada qual com seu encanto. No Rio, você pode passear pela bossa, pelo samba; em Pernambuco, pelo frevo e maracatu. Mas tem muito mais Brasil afora, e em todo lugar tem a nossa bela e boa Música Popular Brasileira, a MPB, que é uma mistura plural, gigante que nem ela só.
Vozes como Elis Regina, Maria Bethânia e Gal Costa, são apenas um aperitivo do vasto cardápio musical desse imenso Brasilzão. Caetano Veloso e Gilberto Gil, com suas composições magistrais, mostram o que é que a Bahia tem. Chico e Vandré, saem caminhando e cantando e compondo canções de arrepiar.
Foi durante um dos tempos mais duros da história brasileira, em meio a perseguições, prisões, torturas e censura da ditadura militar, que o Brasil revelou essa grande safra de cantores e compositores.
Artistas foram exilados e muitas pessoas foram mortas ou “simplesmente” sumiram. E como beber dessa bebida amarga? Uma vez que se escrevia ali, a página mais infeliz da nossa história?
Foi a arte quem permitiu um suspiro de liberdade, já que a liberdade de expressão foi caçada, pois discordar do governo era sinônimo de subversão e de duras punições.
Então, os “anos de chumbo”, como ficou conhecido esse período, foi também, anos de muita produção artística e os festivais tiveram papel fundamental para o crescimento do movimento musical da época, a MPB.
O primeiro Festival da Canção, da TV Excelsior, aconteceu em Guarujá, São Paulo, em 1965. Elis Regina fez um verdadeiro arrastão com a música de Vinícius de Morais e Edu Lobo, atendendo ao pedido do “Poetinha”, que lhe deixou um bilhete: “arrasta essa gente aí, Pimentinha”. E ela arrastou, mesmo! “Arrastão” foi a campeã e Elis ainda ganhou o prêmio de melhor intérprete.
Ela era só emoção. A música passeava por seu corpo, ganhava força em suas expressões, no balanço dos braços, no sorriso, no olhar e culminava naquela voz marcante. O resultado não poderia ter sido diferente.
Então, em 1966, veio a segunda edição, agora na TV Record. A repercussão foi gigantesca, o público torcia como se estivesse em um campo de futebol. Os artistas encontravam nos palcos dos Festivais um lugar para suas canções de protestos, recheadas de metáforas para confundir a censura da época, que depois se intensificou com o AI-5.
A disputa mais marcante entre todos os Festivais aconteceria naquela edição, entre “Disparada”, de Geraldo Vandré e Theo de Barros, interpretada por Jair Rodrigues e “A Banda”, de Chico Buarque, na doce voz da Nara Leão. As cidades pararam para assistir à final do Festival. Cinemas e teatros fecharam e naquele ano, após tomar conhecimento de que poderia ter sido o campeão, Chico Buarque sugeriu o empate.
A sugestão foi acatada, o público preferia Disparada e o clima, como dito, era de torcida de futebol, defendia-se a canção como a seu time do coração e essa foi a saída para evitar uma possível confusão generalizada, uma vez que na opinião dos jurados, “A Banda” venceria por 07 votos a 05. Anos depois, Chico ainda comenta que sugeriu o empate porque achava que “Disparada” era a melhor canção.
Mas uma das canções mais emblemáticas desse período foi “Para não dizer que não falei das flores”, que rendeu a Vandré, além do 2º lugar no Festival Internacional da Canção, de 1968, o exílio. “Caminhando e cantando” virou um hino de resistência, cantado até hoje em passeatas e protestos e mostrava a necessidade urgente de mudança daquela época, no verso: vem, vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora, não espera acontecer.
O público não quis aceitar o resultado, vaiou intensamente quando anunciaram a segunda colocação de Vandré, que tentou acalmar os ânimos, discursando: “olha, sabe o que eu acho? Eu acho uma coisa só a mais: Antônio Carlos Jobim e Chico Buarque de Holanda merecem o nosso respeito!”. O público aplaudiu, mas em seguida soltou uma sonora vaia ao júri, quando ele disse: “a nossa função é fazer canções, a função de julgar, nesse instante, é do júri que ali está”.
Ele ainda tentou conter o público: “por favor! tem mais uma coisa só: pra vocês… pra vocês que continuam pensando que me apoiam vaiando”, mas os gritos incessantes de “é marmelada! é marmelada!” tomavam o ambiente e ele continuou: “gente! gente, por favor! Olha, tem uma coisa só: a vida não se resume em festivais!”. Mas só conseguiu acalmar o público quando começou a entoar: “lá, rá, ráia, lá, rá, ráiá, até o coro se intensificar no refrão, que vale à pena cantar de novo: “vem, vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
Muito se especulou sobre uma possível “marmelada”, mas apesar do então diretor da Globo, Walter Clark, ter recebido uma ligação do ajudante de ordens do general Sizeno Sarmento, alertando que “Para não dizer que não falei das flores” não podia ser campeã, os jurados afirmaram que não sofreram interferência em suas decisões, pois nem havia chegado ao conhecimento deles essa ligação.
Assim, a história da MPB foi construída inspirada pelo momento político e impulsionada pelos Festivais, sob apelos velados ao fim da ditadura, com clamores ao “Pai” que afastasse de nós aquele “cale-se de vinho tinto de sangue”, pois era “difícil acordar calado” e por isso foi a música a nossa voz.
Rejane Luna