Sobre Choro
Pequena história do Choro por Roberta Valente
Em 1808, a Corte Portuguesa se instalou no Brasil, no Rio de Janeiro, gerando uma grande transformação política, social e cultural na cidade. Nesse período, a música sacra, tendo como seu grande representante o Padre José Mauricio Nunes Garcia, era a música da elite. Já nas camadas populares predominavam o batuque, a modinha e o lundu, dança popular de origem africana.
Com os portugueses vieram importantes músicos europeus e as danças de salão, como a quadrilha, a valsa, o schottish, o minueto e a polca. A valsa fez muito sucesso, pois proporcionava um contato físico maior do que as outras danças, com os pares enlaçados, mas foi a polca que virou febre, pois era praticada com rostos colados e muita intimidade, além de ser alegre e saltitante. Segundo alguns pesquisadores, foi dançada pela primeira vez no RJ em julho de 1845. O sucesso foi tanto que tudo tinha nome de polca e virou até verbo: “polcar” – tudo “dava polca”.
A música passou a fazer parte do cotidiano do carioca, nas festas religiosas e cívicas – a grande diversão da população nesse período – bem como nos bailes e nos saraus. Dois instrumentos se destacavam: o violão, que não era bem visto pela sociedade, e o piano, que foi considerado praga e acusado de “matar a conversação”. Eram tantos, que a cidade ficou conhecida como Pianópolis e Cidade dos Pianos. Tornou-se obrigatório nas lojas de instrumentos musicais e de partituras, nas salas de espera dos cinemas, no teatro de revista, nos saraus, e toda “moça de família” tinha que aprender esse instrumento.
É nesse contexto que surge o Choro, o primeiro gênero urbano do Brasil, com grande influência da polca e do lundu. Dizem que, nos primórdios do Choro, os nossos músicos populares, depois de ouvir os europeus tocando nos bailes da alta sociedade, tentavam reproduzir aquela música e aquela maneira de tocar, e assim foram “abrasileirando” as polcas, tocando do nosso jeito, com nosso sotaque.
Os pesquisadores têm opiniões diferentes acerca da origem do termo “Choro”:
O folclorista Luís da Câmara Cascudo afirma que esse nome vem de xolo, um tipo de baile que reunia os escravos das fazendas; passando para xoro, o termo teria finalmente chegado a choro.
Ary Vasconcelos sugere que o termo vem de choromeleiros (ou charameleiro), músicos do período colonial que tocavam a charamela (instrumento de sopro, pequena flauta de som muito agudo, pífano. A charamela foi introduzida no Brasil no início do século XVII e estava entre os instrumentos europeus ensinados aos índios). O povo teria passado a chamar qualquer tipo de agrupamento instrumental de choromeleiros, passando em seguida a encurtar o termo para Choros.
José Ramos Tinhorão defende outro ponto de vista: explica a origem do termo choro por meio da sensação de melancolia transmitida pelas baixarias do violão (o acompanhamento na região mais grave desse instrumento).
Seja como for, no início o Choro não era considerado um gênero, mas sim um conjunto musical formado por flauta de ébano, cavaquinho e violões, o trio de pau e corda. Muitos desses chorões pioneiros eram descendentes de escravos recém-libertos. E vários desses escravos eram barbeiros e trabalhavam nas cidades. Os barbeiros tinham muito tempo livre, o que facilitava o aprendizado de algum instrumento.
José Ramos Tinhorão afirma em seu livro História Social da Música Popular Brasileira que “os barbeiros iriam transmitir sua tradição musical aos mestiços da nascente baixa classe média urbana da era pré-industrial que iriam criar o Choro (…). A música de barbeiro foi a ‘mãe’ do Choro.”
O importante flautista e compositor carioca Joaquim Callado (1848-1880), autor de Flor Amorosa, é considerado o “pai” do choro. Virtuose e muito carismático, Callado foi o principal responsável pela nacionalização da nossa música, ao tocar as polcas e quadrilhas europeias com roupagem brasileira. Além disso, fundou o primeiro grupo de choro de que se tem notícia, o Choro Carioca (ou Choro do Callado), inicialmente com ele na flauta de ébano, acompanhado por dois violões e um cavaquinho. Nunca antes a palavra “Choro” havia sido utilizada para designar um grupo (E seria utilizada como gênero só a partir da década de 1910).
A principal “chorona” da história, a carioca Chiquinha Gonzaga (1847-1935), foi pioneira em todos os campos em que atuou: a primeira compositora, pianista, maestrina e autora de música para o Teatro de Revista.
Ernesto Nazareth, autor de clássicos como Odeon, Brejeiro e Apanhei-te, Cavaquinho, foi igualmente importante para a consolidação do gênero Choro. Pianista com formação erudita, era fã de Chopin e transitou entre o erudito e popular sendo admirado e também sofrendo certo preconceito de ambos os lados. Villa-Lobos, apaixonado pelo choro e por Nazareth, dedicou a ele o primeiro de sua série de Choros: o Choro número 1.
Outra figura de grande destaque nesse final de século, o regente e compositor Anacleto de Medeiros (1866-1907), foi fundador e diretor da importante Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, que ficou famosa ao gravar os primeiros discos da música brasileira, pela Casa Edison, em 1902.
Talvez o maior nome do Choro e um dos pilares da nossa música, o flautista, compositor, saxofonista, arranjador e maestro Alfredo da Rocha Vianna, o Pixinguinha, nasceu em 1897, no Rio de Janeiro. Ele teve uma carreira brilhante e contribuiu para que o Choro se consolidasse nessa forma musical definitiva. Trabalhou como professor de música, regente de banda, diretor de orquestra, atuou em diversas rádios, montou vários grupos, foi um dos maiores orquestradores da música popular brasileira e inspirou e ainda inspira todos os músicos que vieram depois dele.
Radamés Gnattali (1906-1988), Waldir Azevedo (1923-1980) e Jacob do Bandolim (1918-1969) também foram fundamentais para o gênero.
Em sua essência, o Choro é basicamente instrumental, mas alguns possuem letra. A cantora Ademilde Fonseca (1921-2012), conhecida como “A Rainha do Choro”, foi a principal intérprete do gênero.
O Choro paulista não teve a mesma visibilidade que o Choro carioca, mas o gênero sempre fez parte do cotidiano da cidade e tivemos grandes representantes do gênero como Laurindo de Almeida (1917-1995), Garoto (1915-1955), Antônio Rago (1916-2008), Esmeraldino Salles (1916-1979), Antônio D’Áuria (1912-1999), Evandro do Bandolim (1932-1994), Paulinho Nogueira (1929-2003), João Dias Carrasqueira (1908-2000), dentre outros.
Atualmente temos grupos e clubes do choro em todo o Brasil. Além do Rio de Janeiro e de São Paulo, alguns dos principais polos do Choro são as cidades de Recife, Belém do Pará, Bahia e Brasília que, aliás, tem uma cena fortíssima. Em Brasília foi criada a primeira Escola de Choro e o primeiro e mais atuante Clube do Choro no nosso país, já há muitos anos gerido pelo Reco do Bandolim.
O Choro está espalhado pelo mundo. Japoneses, americanos, australianos, franceses, italianos, ingleses, argentinos, uruguaios, chilenos, austríacos, canadenses, portugueses, espanhóis, enfim, músicos de diferentes nacionalidades pesquisam, tocam e amam o Choro, este que se tornou um dos gêneros mais prestigiados do mundo.